segunda-feira, 28 de maio de 2007

"República das empreiteiras
De onde veio Brasília? Do desenvolvimentismo juscelinista ou do apetite das empreiteiras?
A opção que passou à história foi a primeira, mas a pergunta, tal qual à do ovo e da galinha, nunca terá uma resposta definitiva.
E nem importa muito. Apetite de empreiteira não é pecado. O melhor, inclusive, é quando o país consegue juntar, nas obras públicas, a fome delas com a vontade de comer da sociedade. Não é o que está acontecendo no Brasil hoje. E aí está uma causa decisiva do escândalo da navalha.
A sociedade nem sempre precisa estar com vontade de comer. Mas ignorar a fome das empreiteiras, em geral, dá problema. Com prato vazio, elas acabam freqüentemente almoçando a probidade de alguma autoridade pública e, conseqüentemente, jantando uma fatia do orçamento que não lhes pertencia.
Pode parecer complacência com a lógica mais bruta do capitalismo, o lado dos ganhos materiais cegos. Mas a roda da história já andou se movendo bastante por aí com esse tipo de impulso, digamos, usurário. A história da origem da indústria automobilística chega a ser patética. A criação e expansão dos carros motorizados foi determinada muito mais pelos produtores de petróleo do que pela lógica do meio de transporte em si – por incrível que pareça. Aqueles caubóis texanos encontraram nos carros uma aplicação para seu óleo viscoso muito mais rentável do que a da iluminação, e foi daí que veio o verdadeiro impulso primordial da indústria automobilística.
E nem seria preciso ir tão longe. Para ficar no terreno das empreiteiras, foi a gana capitalista delas que, grosso modo, reergueu os Estados Unidos após a Grande Depressão. Nas diretrizes do New Deal, Roosevelt aprovou planos de obras públicas não pela finalidade das obras em si, mas pelo aquecimento econômico que aqueles empreendimentos trariam. Era a obra pela obra.
O Brasil é hipócrita quando faz de conta que boa parte de suas obras públicas não tem dono privado. Há diversos projetos – a área de energia elétrica está cheia deles – que já nascem “inspirados” por determinada empreiteira, que muito antes de qualquer licitação já estudou o empreendimento a fundo, e vai “seduzir” o poder público para realizá-lo.
Essa sedução tem várias formas. É até possível que não envolva corrupção, que o lobby seja feito às claras e que a autoridade pública seja convencida de que a obra é mesmo de interesse da sociedade. E que a empreiteira que “teve a idéia” acabe ganhando a concorrência, pelo simples fato de que se preparou melhor. Isso existe e é do jogo.
Mas apetite de empreiteira não é uma força domesticável. E a pior forma de deixá-lo transbordar para o lado escuro das relações institucionais é deixar que a iniciativa da proposição dos grandes empreendimentos fique quase inteiramente à mercê dos desejos das empresas.
O Brasil tem feito nos últimos anos uma pantomima ruidosa em torno das Parcerias Público-Privadas. O problema é que, na esfera governamental, uma sigla quando pega parece ganhar vida própria. Não precisa mais ter nada dentro. Sua sonoridade justifica sua existência – e ela passa a circular alegremente na boca de autoridades, como acontece agora com o PAC. Na vida real, nada.
Há um mar de oportunidades de empreendimentos no Brasil que requerem a injeção do dinheiro privado. O setor de saneamento básico é um deles, no qual o poder público está há anos para criar as regras necessárias para atração do capital dos investidores, criando concessões rentáveis e socialmente importantes. O próprio setor de energia também oferece horizontes vantajosos para a comunhão Estado/empreiteiras – mas neste campo o governo tem preferido o populismo fácil de tarifas artificialmente baixas e da retórica anti-privatização, que tanto ibope rendeu nas eleições presidenciais.
No setor de transportes urbanos, o Estado atravessou décadas de imobilismo na construção de uma alternativa planejada ao império selvagem dos ônibus. Perdeu a oportunidade de oferecer bons negócios ao capital privado e simultaneamente bons serviços à população. Acabou atropelado pela febre caótica e predominantemente informal das vans.
O Brasil cansa de perder dinheiro de financiadores multilaterais por falta de projeto. Essa parece ser a sina da burocracia governamental brasileira: muita sigla e pouco projeto. Grandes parcerias entre o poder público e a iniciativa privada existem desde D. Pedro II e o Barão de Mauá, não dependem de todos esses salamaleques legislativos em torno de PPPs ou coisa que o valha.
O país precisa abandonar a pirotecnia de PACs e outros arremedos juscelinistas e passar à vida real. Onde estão os decantados pólos de atração do capital privado? Onde estão os projetos e regras para as grandes parcerias?
Enquanto estiverem só no discurso político, o apetite primitivo das empreiteiras vai continuar devorando a honestidade de funcionários e autoridades. Aqui e ali, sempre haverá alguém eticamente dócil para saciar-lhes a fome. E não haverá chuva de navalhas que dê jeito. "

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